segunda-feira, 28 de março de 2011

...uma vida de cada vez!







A cidade está vazia, aparentemente o ruído é apenas fugitivo aqueles gritos de homens que lutam por um dia de cada vez é fixado no silêncio do frio da noite. Seres humanos? Sim. Iguais a mim que hoje vos escrevo. Ainda dizem que somos todos iguais, dizer é fazer. Mas quando olho no meu redor sou capaz de ver as diferenças e não são elas tão pequenas quanto isso. Cada rosto descreve uma história. Cada pessoa vive de maneira diferente. Somos todos iguais? Mais uma vez desminto. As portas fecham-se, as ruas parecem cada vez mais pequenas para tanta gente, a comida escasseia, o frio aumenta, os olhos choram, as crianças deixam de brincar, os idosos deixam de conseguir andar, a solidão é uma dor, a vida não é justa.
Mãos à obra, parece ser pouco mas para estas pessoas cada gesto é uma permanência. As diferenças são postas de lado e o coração é que nos comanda, guia-nos por este caminho de voluntariado. Um prato quente para quem já não come há dois dias ou até desde a hora do almoço do dia anterior, um kit que tem de durar até à próxima visita, um iogurte para uma criança que pede comida, um copo de cevada quente para ajudar a passar a noite, roupa porque o frio atraiçoo-a são uns atrás dos outros, cada um com a sua história e nós colocamos as diferenças de lado e damos um abraço a um ser como nós (aparentemente) porque ele por dentro tem alma irrequieta, que luta. Muitos sonham com o dia de amanhã, o sol a raiar pela ''janela'', uma luz no fundo do túnel uma vida sem diferenças. Esse dia pode chegar, ou não e nós? Seres humanos que chegam a casa depois de um dia de trabalho sentam-se à mesa em frente de uma refeição, comem e se for preciso deitam os ''restos'' ao lixo porque para amanhã já não serve, temos a rotina de no mínimo quatro refeições, a cama é quente no inverno, as paredes são aconchegantes e o frio fica da porta para fora, nós. O coração palpita só pelo simples facto de estar a pensar que ainda à umas horas estava lá fora a tentar dar um pouco de qualidade de vida, e agora em casa no calor da família, coberta dos pés à cabeça penso naqueles pobres seres humanos que passam a sua noite ao relento, que andam descalços porque lhe roubaram os sapatos e eu com a sapateira cheia, um prato quente arroz com frango que se eu quiser desço até à cozinha e faço eles têm aquele instante para decidir se querem ou deixam para outro, os cobertores que estão velhos, rasgados e que deixam entrar o frio comparados ao edredão da minha cama são apenas os lençóis que neles me deito. Hoje, aprendo a dar valor a cada pedaço de pão que quando cai ao chão é deitado no lixo, a cada cobertor que tenho na cama ou até perdido no sofá, a um colchão em comparação a camas de papelão.
São histórias de vida, são momentos.
São pedaços de seres, famintos e com frio.
São pedaços de céu, são lamentos.
São corações à deriva.
São pessoas que choram, são pessoas.
São pessoas à procura do mapa que os vais guiar...
iguais a nós.
Como lema, uma vida de cada vez...Deus que olhas por mim, olha por eles que precisam do teu coração, do teu acreditar e acima de tudo da tua força para viver...um dia de cada vez.
‎''Quanto mais partilhamos com simplicidade o que temos, mais o nosso coração se torna acolhedor para com aquelas que nos rodeiam.

Tornar sempre as coisas simples permite acolher, mesmo com muito pouco.''

por Maria João Magalhães uma ''recente'' voluntária pelas ruas do Porto com o apoio de ''ADRA-Ermesinde''
Obrigado!

sábado, 12 de março de 2011

parada e atenta à raiva do silêncio...


Nunca me tinha debruçado com afinque sobre este assunto em especial, já passou pelas minhas mãos de variadíssimas maneiras, no seio familiar em acto de voluntariado em visitas ocasionais diversas formas de os trazer para junto de uma alma cheia de vida e alegria para distribuir, a minha. Os idosos, aqueles que passeiam pelo jardim passo a passo e sem pressa, que jogam às cartas no café e soltem grandes gargalhadas, que não dispensam o seu café com cheirinho depois da refeição que vivem o hoje com o medo que o amanhã não chegue. Depois ainda existem aqueles que foram abandonados à pobreza de sentimentos, à solidão, ao fracasso esses que eu sempre tive pena e me orgulhava por não fazer parte dessa parte desprovida de sentimento para abandonar um ser humano ao relento da vida. Estava a ser precipitada. Estava, hoje sofri na pele e entrei para a estatísticas do nosso país das pessoas que abandonam os idosos, voluntariamente? Não. Mas de que é que isso interessa? Eu fui capaz, cobarde, eu fui. Nunca digas nunca sempre ouvi eu dizer de grandes pensadores e sábios seres humanos ou desta água não bebereis. É a mais pura das verdades, não se sabe do que vamos ser capazes no amanhã.

Foi viagem mais silenciosa de sempre, três pessoas no carro e todos a pensar de forma diferente e eu estava lá no banco de trás a esconder o rosto coberto de lágrimas, não que me envergonhe de chorar nada disso apenas porque eu não queria que nada daquilo estivesse a acontecer, mas estava. De chegada o meu coração sentiu-se apertado de tal maneira que me bloqueou a fala, subi as escadas mais uma vez em silêncio e sem demoras depressa se abriu a porta e lá estávamos nós.

Aquela casa ''vazia'' de sentimento, no momento em que a chave entra na fechadura e a porta se abre e as lágrimas se derramam de uma forma compulsiva, aquela casa não estava sequer em condições para uma vida...faz-se o que estava planeado e chega a hora da despedida. ''Adeus meu pai, lembre-se que hoje é o diga em que o seu filho vai ser ''enterrado'', o seu filho morreu.'' -''Morreu?- repetia ele. E não volta? - questionava-se'' ''Não, ele morreu e não volta.'' ''E a filha do meu filho também morreu?'' não consegui processar nenhuma palavra beijei-lhe a face gélida e saí a correr escada abaixo. Entrei no carro com o coração em mil pedacinhos, olhei o meu pai e permaneci em silêncio, o carro arrancou e eu nem consegui olhar para trás...uma volta ao quarteirão e dou por mim a espreitar as traseiras, sombrias como se abandonadas até aquele dia. Na media em que o caminho ia ficando mais longo bateu-me forte no coração e pedi em forma de desespero que voltássemos, do outro lado era evidente o temor que era deixar para trás um pai que nos fez brotar a este mundo ''O meu paizinho, que já fez tanto por mim, o meu paizinho ali sozinho.'' - dizia ele a chorar como uma criança. Eu do outro lado pedia ''Só mais uma noite por favor, só mais uma noite.'' mas o carro não voltava para trás e eu perdia a esperança de voltar e ir a correr para os seus braços e pedir-lhe desculpa por me ter ido embora sem olhar para trás.

De chegada a cada mais uma vez o silêncio era o prato do dia, aquele lugar do sofá estava vazio a manta estava enrolada do seu lado como ele fosse voltar com o cair da noite, depressa subo as escadas e a sua cama estava vazia, os armários sem roupa e ao jantar faltava um prato à mesa junto do canequinha do vinho. Era verdade, era real ele hoje já não ia voltar. E amanhã? É mais certo que nem amanhã, nem nunca.


Já perdi tantas pessoas de forma tão diferente e esta não tinha de ser assim, mas foi. Eu estava lá, eu vi, eu consenti, eu deixei, eu fui cobarde, eu consegui, eu fugi, eu chorei, eu implorei e não fiz com que ele voltasse. EU.

Tenho tanto medo. Medo da velhice não das rugas mas da solidão. Tenho medo de nunca mais o olhar nos olhos e lhe dizer que o adoro, tenho medo de o ver partir e não estar do lado dele, tenho medo. Eu já estava habituada a vê-lo todas as manhãs, a assustar-me com ele quando saí-a de casa para ir para a faculdade, de lhe encher o copo e ele pedir mais, de lhe dar um beijo de boa noite e saltar para a beira dele, eu já estava habituada. Mas a personalidade é muito forte e nesta idade não muda, tão forte que o levou para longe de mim sem hora marcada para o regresso. Eu vi-o partir sem dizer que gostava muito dele.


Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma.