sábado, 12 de março de 2011

parada e atenta à raiva do silêncio...


Nunca me tinha debruçado com afinque sobre este assunto em especial, já passou pelas minhas mãos de variadíssimas maneiras, no seio familiar em acto de voluntariado em visitas ocasionais diversas formas de os trazer para junto de uma alma cheia de vida e alegria para distribuir, a minha. Os idosos, aqueles que passeiam pelo jardim passo a passo e sem pressa, que jogam às cartas no café e soltem grandes gargalhadas, que não dispensam o seu café com cheirinho depois da refeição que vivem o hoje com o medo que o amanhã não chegue. Depois ainda existem aqueles que foram abandonados à pobreza de sentimentos, à solidão, ao fracasso esses que eu sempre tive pena e me orgulhava por não fazer parte dessa parte desprovida de sentimento para abandonar um ser humano ao relento da vida. Estava a ser precipitada. Estava, hoje sofri na pele e entrei para a estatísticas do nosso país das pessoas que abandonam os idosos, voluntariamente? Não. Mas de que é que isso interessa? Eu fui capaz, cobarde, eu fui. Nunca digas nunca sempre ouvi eu dizer de grandes pensadores e sábios seres humanos ou desta água não bebereis. É a mais pura das verdades, não se sabe do que vamos ser capazes no amanhã.

Foi viagem mais silenciosa de sempre, três pessoas no carro e todos a pensar de forma diferente e eu estava lá no banco de trás a esconder o rosto coberto de lágrimas, não que me envergonhe de chorar nada disso apenas porque eu não queria que nada daquilo estivesse a acontecer, mas estava. De chegada o meu coração sentiu-se apertado de tal maneira que me bloqueou a fala, subi as escadas mais uma vez em silêncio e sem demoras depressa se abriu a porta e lá estávamos nós.

Aquela casa ''vazia'' de sentimento, no momento em que a chave entra na fechadura e a porta se abre e as lágrimas se derramam de uma forma compulsiva, aquela casa não estava sequer em condições para uma vida...faz-se o que estava planeado e chega a hora da despedida. ''Adeus meu pai, lembre-se que hoje é o diga em que o seu filho vai ser ''enterrado'', o seu filho morreu.'' -''Morreu?- repetia ele. E não volta? - questionava-se'' ''Não, ele morreu e não volta.'' ''E a filha do meu filho também morreu?'' não consegui processar nenhuma palavra beijei-lhe a face gélida e saí a correr escada abaixo. Entrei no carro com o coração em mil pedacinhos, olhei o meu pai e permaneci em silêncio, o carro arrancou e eu nem consegui olhar para trás...uma volta ao quarteirão e dou por mim a espreitar as traseiras, sombrias como se abandonadas até aquele dia. Na media em que o caminho ia ficando mais longo bateu-me forte no coração e pedi em forma de desespero que voltássemos, do outro lado era evidente o temor que era deixar para trás um pai que nos fez brotar a este mundo ''O meu paizinho, que já fez tanto por mim, o meu paizinho ali sozinho.'' - dizia ele a chorar como uma criança. Eu do outro lado pedia ''Só mais uma noite por favor, só mais uma noite.'' mas o carro não voltava para trás e eu perdia a esperança de voltar e ir a correr para os seus braços e pedir-lhe desculpa por me ter ido embora sem olhar para trás.

De chegada a cada mais uma vez o silêncio era o prato do dia, aquele lugar do sofá estava vazio a manta estava enrolada do seu lado como ele fosse voltar com o cair da noite, depressa subo as escadas e a sua cama estava vazia, os armários sem roupa e ao jantar faltava um prato à mesa junto do canequinha do vinho. Era verdade, era real ele hoje já não ia voltar. E amanhã? É mais certo que nem amanhã, nem nunca.


Já perdi tantas pessoas de forma tão diferente e esta não tinha de ser assim, mas foi. Eu estava lá, eu vi, eu consenti, eu deixei, eu fui cobarde, eu consegui, eu fugi, eu chorei, eu implorei e não fiz com que ele voltasse. EU.

Tenho tanto medo. Medo da velhice não das rugas mas da solidão. Tenho medo de nunca mais o olhar nos olhos e lhe dizer que o adoro, tenho medo de o ver partir e não estar do lado dele, tenho medo. Eu já estava habituada a vê-lo todas as manhãs, a assustar-me com ele quando saí-a de casa para ir para a faculdade, de lhe encher o copo e ele pedir mais, de lhe dar um beijo de boa noite e saltar para a beira dele, eu já estava habituada. Mas a personalidade é muito forte e nesta idade não muda, tão forte que o levou para longe de mim sem hora marcada para o regresso. Eu vi-o partir sem dizer que gostava muito dele.


Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma.


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