segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Natal

É a época do faz de conta, sim estou mesmo a dizer isto porque apesar de acreditar no verdadeiro sentido de Natal olho pela janela e não o encontro. Vejo pessoas a correr para o consumismo dos shopping's, é horrível quando entro no parque de estacionamento para ir comprar pão e está uma fila enorme de carros à minha frente, chego lá dentro e é impossível dar dois passos sem esbarrar em três pessoas já para não falar nas filas enormes na caixa, vê-se de tudo um pouco desde o habitual peru de natal, as batatas, os chocolates, as decorações bonitas, os brinquedos para as crianças tudo o que possa florear esta data festiva. E eu ali parada a observar todas as pessoas à espera da minha vez para pagar um saco de pão, mas de quem é a culpa minha claro, porque devia ter pensado nisso mais cedo e ter ido à padaria antes de ela fechar, adiante.

Vagueio pela rua atribulada de sensações, ouço o pai natal a falar com as crianças, seres inocentes que ainda acreditam que aquele velhinho de barbas lhe invade a casa de ano par ano e lhe deixa o presente que tanto estavam à espera, as luzes a piscar por todo o lado, as tradicionais músicas de natal que nos entram no ouvido e nos tornam nostálgicos, as pessoas a correr de um lado para o outro para que tudo esteja pronto e que seja perfeito e no meio disto tudo estou perplexa com milhares de pessoas que se aproximam e seguem em frente. Não sou completamente inocente, não sou santa e também gosto de receber prendas no Natal, mas devia ser assim tudo isto adveio de uma educação mas não era isto que eu queria sentir, o Natal devia ser uma época de paz, reflexão, partilha...por outras palavras devia ser rico em bens fundamentais e não materiais. Porque cada vez mais somos uma população absorvida pelo consumismo natalício, e os verdadeiros valores são postos de parte apenas estão presentes em decoração. Sim porque casa que se preze tem o presépio composto debaixo do pinheiro recheado de luzes, bolas, estrelas e bonequinhos e o resto? O resto fica esquecido.

Hoje acordei, e é dia de Natal as ruas estão desertas ouvem-se os sinos a tocar, as luzes piscam freneticamente e todos estão recolhidos em suas casas passeio pela rua e a azafama que ontem se fazia sentir havia desaparecido, sento-me num banco de jardim a tentar pintar este cenário até que alguém se aproxima com um sorriso sereno e me sorri. Ficamos ali parados sem dizer uma única palavra apenas com um sorriso rasgado, olho com atenção e parece-me que esta pessoa está só, apetece-me enche-la de perguntas mas não sai nada, até que ela toma a liberdade de expor os seus pensamentos. -Sabe menina, também já fui jovem passei a idade dos porquê, neste mesmo dia sentei-me neste banco e permaneci sozinho o resto do dia, da noite e de todos os dias até hoje. As pessoas passavam por mim e era como se não existisse, a transparência havia apoderado se de mim mas eu deixei-me estar, quando este dia passava tudo voltava ao seu estado normal as pessoas caminhavam apressadamente para o trabalho e a rotina era como sempre, igual a si mesma. Mas não sei porquê hoje tinha a esperança de encontrar alguém e poder partilhar com essa pessoa o presente que havia guardado à tantos anos e consegui.

Fico de certo modo curiosa, e incrédula porque que não me achava merecedora de tal dom, o primeiro pensamento foi recusar afinal eu era apenas mais uma pessoa que por acaso precisou de apanhar ar no dia de natal e se for sentar no primeiro banco de jardim que viu à sua frente. Sem dizer uma palavra o senhor interrompeu os meus pensamentos... - Eu sei que não é fácil acreditares num velho que se põe para aqui a falar, mas de certo modo és como eu não acreditas no Natal de hoje. Não espero uma resposta da tua parte apenas te peço que me olhes e me sorrias com esse mesmo olhar. Assim vou puder seguir o meu caminho e saberei que cumpri a minha tarefa.

Cada vez percebia menos do que estava a passar, mas afinal quem era aquele homem que dizia conhecer-me e que sabia porque é que eu estava ali, olhei-o como me havia pedido mas sabia lá eu sorrir com olhar, nunca tinha ouvido tal coisa, mas ele levantou-se devagar e seguiu o seu caminho. Foi o momento mais estranho que já tinha vivido, levantei-me se rumo a casa de paro-me com uma cortina aberta, crianças a correr de um lado para o outro, a mesa recheada de coisas boas, pessoas aparentemente felizes, luzes, música e eu fiquei ali parada a observar achei igual a todos os outros afinal era esse o Natal que me tinham ensinado a viver mas não me saía do pensamento aquele homem que me tinha abordado. Continuei o meu caminho e junto de uma casa encontro uma caixa enorme cheia de cobertores, qualquer coisa lá dentro a mexer-se tento aproximar-me mas tinha medo, nunca fui muito aventureira nessas coisas tenho muito respeito por certas coisas e esta é uma delas, estava lá uma senhora deitada parecia estar gelada, tentei falar com ela mas mostrou-se apreensiva eu queria ajudar mas não sabia como por isso continuei o meu caminho quando não é o meu espanto e vejo mais uma casa com a cortina aberta mas nesta o cenário era bem diferente a mesa estava cheia até aí nada de novo, mas não havia pessoas apenas um homem solitário em frente à lareira e a chorar, estaria sozinho não sei. Apenas me olhou de longe e desviou olhar como se me ignora-se. Segui em frente mais uma vez e chego finalmente a casa, estava tudo feliz não sei bem porquê, não costuma ser assim, mas nem liguei afinal é só mais um dia amanhã já está tudo normal. Estava tudo pronto era só esperar pela hora certa para fazer o que sempre fazemos todos os anos, comer e ver um filme ou ver um filme e comer vai tudo dar ao mesmo, eu sento-me em frente à televisão e aparentemente nada mudou, mas aquele homem não me sai da cabeça, começo a desfolhar um livro mas não me consigo concentrar, até que resolvo pegar num papel e numa caneta e escrever tudo o que me vinha à cabeça, quiçá se não fosse um puzzle e se eu juntasse as peças todas tudo fizesse sentido. Escrevi, escrevi e escrevi até que caio em mim, aquele homem era mais do que um simples homem, ele ensinou-me o que eu queria aprender. O Natal é só mais um dia nas nossas vidas que visa por ser especial porque a família está toda reunida mas a simplicidade de cada gesto é que pinta a sua verdadeira essência. Vivemos cada vez mais numa sociedade de sobrevivência e os bens essenciais são esquecidos, os afectos são ignorados, é tudo materializado e não é assim que deve ser. Aqueles que parecem felizes que sorriem são os mais vazios por dentro, aqueles que nada lhes falta na mesa, estão sós, os que nada têm agarram-se à simplicidade, e aqueles que tudo querem acabam por perder tudo sem se darem conta, afinal de contas o Natal é isso mesmo leva-nos a explorar novas filosofias, e eu descobri o que quero que seja o meu Natal. Este ano vou sair à rua e sorrir para todas as pessoas que me olharem, vou caminhar ligeira como se fosse a pessoa mais feliz do mundo, abraçar os meus amigos, e dizer o que sinto aos meus pais, vou deitar tudo cá para fora e vou fazer desse dia o dia mais livre de sempre.

Era bom que assim acontecesse, por mais que eu queira sei que é uma tarefa complicada, mesmo que não seja bem assim como disse, pelo menos vou ler isto em voz alta e quem me quiser ouvir, é porque compreende que o sentido do Natal deve ser renovado. E quem diz o Natal diz todos os dias da nossa vida.

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